domingo, outubro 03, 2010

Época dos prémios literários III - o Nobel

Observações gerais

Os problemas do Nobel da literatura são os conhecidos:

- escandinavos merecidamente obscuros nos primeiros anos

- aquele ano em que o júri se premiou a ele mesmo (1974 - o equivalente ao tesoureiro ir servir-se da conta da sociedade, que o prémio também é dinheiro - e muito)

- escolhas politicamente correctas nos últimos anos

- omissões escandalosas em geral

Mas o que me chateia mais é o prémio ter deixado de ser atribuído a ensaístas/filósofos e historiadores. Era das poucas vantagens que tinha sobre outros prémios puramente literários.

O novo Secretário Permanente da Academia Sueca, Peter Englund (que fez uma triste figura o ano passado ao anunciar o nome da vencedora em pose revisteira de mão na anca), é um historiador, com trabalho de grande qualidade na área da História Militar, e poderia ao menos sugerir à Academia que voltasse a galardoar um ensaísta ou um historiador ao fim de várias décadas sem o fazer (os últimos foram Churchill, em 1953, e Sartre, em 1964), mas pelo que diz quem sabe, não tem qualquer influência sobre as decisões da Academia quanto ao Nobel da literatura.

Prognósticos só depois do resultado

A avaliar pelas apostas na Ladbrokes, a fuga de informação anual indica aparentemente o nome do queniano Ngugi wa Thiong'o.

O ano passado, o meu palpite era o de que Agota Kristof ou Dubravka Ugresic poderiam bem ganhar, e no fim quem ganhou foi também uma escritora da Europa Central, pelo que não errei por muito.

Este ano, ignorei os persistentes rumores no sentido de que o vencedor irá ser um poeta, muito por em 2009 a Academia Sueca ter dito que Herta Müller tinha ganho o prémio Nobel devido tanto à sua prosa como à sua poesia, o que para todos os efeitos dispensava a Academia da difícil tarefa de galardoar um poeta, pelo menos por alguns anos.

Tendo em conta quantos anos passaram desde que a Academia Sueca entregou pela última vez o prémio a um autor de língua castelhana, pressupus que está na altura de o voltarem a fazer. E tendo em conta também o quanto o prémio Nobel da literatura tende a favorecer escritores que foram vítimas de censura, repressão ou perseguições (ou que as utilizaram como tema), bem como os autores dotados do perfil nobelizável de Grande Senhor da Literatura com intervenção pública humanista em favor de causas nobres (excluíndo assim os autores reclusos como o Pynchon, com convicções políticas questionáveis como Céline - sim, eu sei, Hamsun, mas ele ganhou o Nobel muito antes de apoiar os Nazis - ou mesmo apenas com uma visão pessimista da humanidade como Houellebecq - sim, eu sei, não é bom o suficiente para ganhar o Nobel; só está aqui como exemplo), o meu palpite para este ano era Jorge Semprún, uma vez que o perfil nobelizável lhe assenta como uma luva, com (qualquer) um dos irmãos Goytisolo sobreviventes como suplente. Se o vencedor for com efeito Ngugi wa Thiong'o, errei mesmo por muito.

Mas o fixe, mesmo fixe, era que

A Academia Sueca desse o Nobel à Stephenie Meyer e depois entrasse em liquidação.

R-E-S-P-E-C-T

No Boletim da Ordem dos Advogados desta semana vem publicada (p. 77) uma carta de um advogado ao bastonário queixando-se do i-na-dmi-ssí-vel insulto de que tinha sido objecto porque um cliente não o tinha tratado por "Senhor Dr.", e por o último Boletim ter sido endereçado não ao "Senhor Dr. Zé das Couves" mas simplesmente ao "Zé das Couves" (o horror!).

Eu até aqui pensava que o respeito não consistia apenas em utilizar fórmulas ocas e em mostrar falsa reverência nos momentos tidos por adequados. Que o respeito (para além da civilidade mínima que todos merecemos) era uma coisa que se tinha que ganhar, de que qualquer pessoa se tem de mostrar digna, e não algo a impor por decreto. Se calhar estava enganado.

Época dos prémios literários II - o Booker

Jã vão na lista final:

Parrot and Olivier in America - Peter Carey
Room - Emma Donoghue
In a Strange Room - Damon Galgut
The Finkler Question - Howard Jacobson
The Long Song - Andrea Levy
C - Tom McCarthy

Seca.

O livro do Peter Carey já foi traduzido para português.

Época dos prémios literários I - o Goncourt

A primeira selecção:

Olivier Adam - Le coeur régulier
Vassilis Alexakis - Le premier mot
T. Beinstingel - Retour aux mots sauvages
Vincent Borel - Antoine et Isabelle S.
Virginie Despentes - Apocalypse bébé
Marc Dugain - L'insomnie des étoiles
Mathias Enard - Parle-leur de batailles, de rois et d'éléphants
Michel Houellebecq - La carte et le territoire
Maylis de Kerangal - Naissance d’un pont
Patrick Lapeyre - La vie est brève et le désir sans fin
Fouad Laroui - Une année chez les Français
Amélie Nothomb - Une forme de vie
Chantal Thomas - Le testament d'Olympe
Karine Tuil - Six mois , six jours

Nothomb e Houellebecq - as duas grandes celebridades da literatura francesa em duelo pelo prémio!1!11!

Pelo menos até esta 3ª feira, quando a Academia Goncourt fizer a segunda selecção (ver calendário). Não me espantaria que um deles ou mesmo os dois fossem à vida.

A respeito do Michel Houellebecq, leia-se a recente entrevista da Paris Review, onde ele dá mostras de uma perspicácia, de uma candura e de uma consciência dos defeitos e dos méritos da sua própria obra ao alcance de poucos. Bónus: malha no Le Clézio.

A Amélie Nothomb pode ser a mulher mais feia da Cristandade, e ser também decididamente infantaria ligeira em termos literários, por assim dizer, mas eu até gostei dos livrinhos dela que cheguei a ler, e não me importava que ganhasse. Já há alguns anos que os seus livros deixaram de ser traduzidos em Portugal, e podia ser que uma vitória no Goncourt levasse os editores portugueses a darem-lhe uma nova oportunidade.

À parte estes dois e a Virginie Despentes, conhecida por ter realizado um filme de sacanagem muito pretensioso e muito tolo há uns anos, não conheço mais ninguém nesta lista. Melhor do que no ano passado, em que nunca tinha ouvido falar de ninguém logo na lista da primeira selecção.