domingo, setembro 19, 2010
A coragem de transgredir
Passei pela frente do televisor hoje ao início da tarde e a entrevistada do Só Visto! era a turboapresentadora Filomena Cautela, nesse exacto momento prestando contas pela sua "irreverência".
O que hoje em dia, depois do Jornal Nacional das sextas-feiras da TVI e na era das entrevistas quase confrontacionais com os titulares dos mais altos cargos, se entende por "irreverência" acaba por ser quase sempre aquele cool chocarreiro, alarve e aldrabado em que se especializaram por exemplo a SIC Radical e a Loja do Cão Azul. Ou o 5 para a Meia Noite, o tipo de programa que tem em teoria por público alvo os jovens em idade universitária e acaba por ser visto principalmente por rapazes de 14 anos (sem ofensa para todos os rapazes de 14 anos que já sabem o suficiente para não perderem tempo com aquilo). Mas todos temos de ganhar o nosso dinheirinho e fazer as nossas carreirinhas, e deste programa por si não resultam danos demasiado graves para o processo de construção do Portugal socialista. Adiante.
Filomena Cautela até começou por dizer algo como "Não me considero irreverente." "Vai bem. Ao menos ainda ninguém usou a palavra 'transgressão'. Continue, que a alguém com esses olhos eu estou disposto a perdoar muita coisa.", pensei eu. Para logo depois cair a bomba: "Não há muita gente a fazer o que eu faço. Porque têm medo."
Felizmente que, em contraste a vil cobardia da esmagadora maioria dos seus pares, a heróica Filomena, enfrentando censuras e ditaduras e com risco para a sua própria vida, tem a coragem de, um serão por semana, nos proporcionar uma edificante dose de humor cócó-chichi, sketches amadorísticos, hiperactividade inconsequente e "irreverente" comentário social do nível da pita muita maluca que se vangloria de ter colado um burrié nos estofos do BMW Série 3 do primo Salvador Maria. Ainda há quem tenha a coragem de transgredir.