segunda-feira, outubro 17, 2005

Vida artística

O artista, em tempos

Mendiga uns bocados de carvão à concierge para manter o lume da salamandra aceso e aquecer ao menos um pouco a decrépita mansarda parisiense onde passa os seus dias de tísico. Quando volta do bistro onde emborcou uns cálices de absinto, cruza-se nas escadas com emigrados polacos, fidalgos arruinados e sifilíticos e cortesãs decadentes. Tenta manter-se vivo pelo tempo necessário para terminar o livro de poemas/série de quadros que lhe trará a glória imortal. Escreve panfletos anarquistas.
Quando encontra outro artista em que vê a visão e o talento para alcançar o sublime e a transcendência, encoraja-o e diz-lhe que não é forçoso que acabe como ele próprio.

O artista, hoje

Como quase todos os portugueses, ou é funcionário público, ou está ressentido por não o ser. Ou recebe subsídios públicos ou dá entrevistas lamentando-se por não os receber. Nessas entrevistas, manda também umas bojardas para mostrar que não se leva demasiado a sério e fala dos seus restaurantes preferidos no Algarve.
Ou é larilas, ou faz um grande esforço por tornar evidente que não o é. Mede a importância dos outros pela influência política que se vangloriam de ter e pelo tamanho da lista de gente que lhes deve favores. Tem um blog. Consome semanalmente cocaína de valor superior ao PIB de muitos países do Terceiro Mundo. Diz-se “desencantado com a política”, mas quando alguém o convida para ser mandatário, porta-voz ou assessor, aceita de imediato. Nunca trabalhou na vida.